quinta-feira, 13 de junho de 2013

Relatório #3 – Visão geral sobre o Ah!Cidade

A partir das conversas de dois dos editores do site Ah!Cidade, Daniel Florêncio e Henrique Milen, descobrimos o que aconteceu desde a construção até a decadência do portal. Apesar das diferentes visões dos dois entrevistados, tendo em mente que Daniel é um dos idealizadores do projeto e Henrique foi convidado após o desenvolvimento do mesmo, os discursos são inicialmente bastante coerentes.

Criação
Segundo Daniel, um dos motivos para a criação do site foi a falta de conteúdo inteligente gerado na cidade. “Falta de conteúdo que pensa a cidade, que dialoga com a população, que enxerga as nuances da cidade, dos bairros, das aspirações”, segundo ele. O entrevistado é bastante enfático no conceito de honestidade intelectual, deixando claro que este é o conteúdo almejado pelos criadores e colaboradores do Ah!Cidade.
Daniel Florêncio é autor do documentário “Gagged in Brazil”, produzido em 2008, que conta as ações de censura de Aécio Neves e sua equipe na imprensa mineira. O filme teve muita repercussão principalmente na internet. As informações passadas pelo documentário, como depoimentos de diferentes jornalistas e evidências em situações que poderiam passar em branco, são justamente o foco do Ah!Cidade. Daniel explica: “Por exemplo, um texto que eu escrevi que chama ‘O Prefeito em um ônibus’. O que está ali é nada mais que a constatação do óbvio. Eu simplesmente peguei declarações da BH Trans e contrapus ela com fatos e indícios que estão aí na frente de todo mundo”.
Ao falarmos do caráter político do site, Henrique conta sua visão. “As pautas no Ah!Cidade eram politizadas, porque os temas ligados à cidade têm que ser politizados. É daí que vem o debate, mas a gente é meio adestrado para ter hojeriza ao debate, ao confronto de argumentos. O que se vê em programas de ‘debate’ na TV e no rádio local é a cultura do consenso, sempre despolitizado, desmobilizante, sempre tendendo ao lado moral, ignorando os interesses políticos e econômicos que envolvem cada tema. E ainda por cima com viés conservador, o que definitivamente não era o nosso caso. Bom, esse era o lado bom de ser nanico: a gente não sofria pressão de anunciante, nem era amigo de político, nem tinha medo de perder leitor conservador. Isso dava liberdade de pauta, sem dúvida. O jornalista dos Associados não tem essa liberdade, o produtor da Globo não tem essa liberdade. E muita gente dentro desses veículos lia o Ah!Cidade. No fundo era um veículo para jornalistas, gente de comunicação, não era um produto de massa”.
Portanto, o Ah!Cidade procurava expor a verdade sobre o que as pessoas percebiam da cidade, fugindo dos cuidados tomados pela maioria dos veículos e dos formatos que adestram e direcionam a profundidade e o olhar sobre os fatos, mas que não era destinado à massa.

Produção
Em seu auge, o site chegou a ter 30 colaboradores. Todos produziam, discutiam e enviavam suas ideias pela internet, uma vez que estavam em diferentes locais. Os colaboradores eram, em geral, pessoas conhecidas, ou como Daniel contou, “conhecidos, conhecidos de conhecidos ou indicações de conhecidos”.
O site, por ter sido financiado pelos criadores, não gerava nenhum tipo de renda, mas as publicações continuavam, como Daniel explica: “Apesar de o site, naquele momento, ser algo que fazíamos em meio período, por assim dizer, e ninguém largou emprego para trabalhar no site, tínhamos uma certa noção de urgência com ele. Não deixávamos textos esperando muito pra serem publicados, ou ideias para serem produzidas”.
Ainda assim, como Florêncio explica, o objetivo era gerar algum lucro com o site, para que todos pudessem se dedicar totalmente a ele. “Desde o primeiro dia esse era nosso objetivo. Remunerar os editores. Remunerar os colaboradores. Contratar alguém para cuidar do site em tempo integral”, conta. Porém, esta perspectiva não é compartilhada por Henrique, que acredita que o jornalismo produzido pelo site perderia o valor ao se envolver com lucros. “Eu acho que jornalismo não devia ter foco em lucro. Ah!Cidade era experimental, free-style. Não podemos condicionar a existência de um projeto desse a retorno financeiro. É até meio bobo, é jogar o jogo dos grandes, e até eles estão levando surra da internet. Nós furamos a mídia local várias vezes, colocamos vários temas na praça com nova perspectiva, mas também publicamos bobagem. É bom se permitir isso”, explica.

Decadência
Diante das pesquisas feitas e da conversa tida com Fabrício Santos (vide 2ª postagem), percebeu-se que a decadência do portal Ah! Cidade deu-se pela distância dos criadores do projeto (Daniel já estava em Londres e Henrique havia se mudado para Paraty) – afinal, manter vivo um site de notícias que fala intimamente da vida de uma cidade estando a quilômetros de distância não é tarefa tão fácil, tampouco prática. Milen diz, inclusive, que um veículo como esse necessita do calor das ruas, da vida das pessoas que fazem o movimentar da cidade – sem contar que nem todas as pessoas estão acostumados com o uso da internet.
Entretanto, a partir das entrevistas feitas posteriormente, foram identificados outros aspectos que resultaram na decadência do postal. Primeiramente, é citado com certa frequência a complexidade da questão financeira envolvida. Desde o início, a ideia era a de que ele atraísse os olhos dos cidadãos e do comércio e conseguisse algum apoio financeiro para sobreviver. "Não há como manter a publicação de textos diários de qualidade, onde se há pesquisa, desenvolvimento, apuração, e, em alguns casos, investigação, sem remuneração", comenta Daniel. Exigir dedicação quando não há vínculo empregatício foi motivo para o início da grande desmotivação dos colaboradores. "Faltou gás também. Não era nada fácil discutir pautas, desenvolver bons artigos, diariamente, com todo mundo dividido entre outros compromissos", fala Henrique.
Com o crescimento do portal, tanto em número de colaboradores, quanto em número de visualizações, apareceram interessados em apoiar financeiramente o Ah! Cidade. De acordo com Florêncio, uma empresa de mídia se candidatou a sindicar o portal. "Mas o fantasma do 'Gagged in Brazil' apareceu", comenta. "Quando o dono da empresa de mídia soube que 'um dos editores do Ah!Cidade era o 'menino' do Gagged in Brazil', a coisa desandou".

A desmotivação dos colaboradores, a falta de recursos financeiros e a produção do polêmico documentário de Daniel abalaram definitivamente as estruturas do portal.


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