Chegamos ao fim do projeto com algumas frustrações, muitas esperanças e tendo aprendido e compreendido muito mais sobre o mercado de produção cultural de Minas Gerais do que imaginávamos. Para melhor compreensão, e partindo do pressuposto de que tivemos experiências e impressões diferentes, cada uma de nós desenvolveu sua própria conclusão final para o trabalho. Finalizamos nosso projeto assim:
Conclusão da Marina
Após quase quatro meses pesquisando, vivendo (e sonhando a cada vez mais em trabalhar com produção), foi possível ter uma noção maior desse campo que, até então, apesar de bastante almejado, ainda era quase desconhecido. Inicialmente, o projeto só me mostrou sua face positiva. Os profissionais que conhecemos, seus relatos e experiências e as oportunidades que nos foram dadas serviram para fazer com que o ramo de Produção Cultural brilhasse, ainda mais meus olhos.
No entanto, com o decorrer do projeto as faces negativas começaram a aparecer. Há duas semanas eu consegui uma oportunidade de estagiar na produção de um festival de música, através da Produtora Cultural Cria Cultura!. Foram seis dias de trabalho, sendo cinco deles na execução do evento e o outro na produtora fazendo a pré-produção. O Festival foi o Conexão BH, que aconteceu no Parque Municipal da cidade e, ao todo, foram mais de 60 atrações, divididas entre shows, discotecagens e intervenções urbanas.
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Otto assistindo a passagem de som da Julieta Venegas (Ah, estagiário de produção não pode tietar!) |
Aprendizado 1: É muito trabalho pesado! Inicialmente, eu me candidatei para uma vaga na qual eu trabalharia seis horas por dia, durante cinco dias. Entretanto, as seis horas viraram doze e os cinco dias viraram seis. Essas horas a mais foram essenciais para poder participar da maior parte possível do festival. E foram elas que me ensinaram que não existe isso de estar cansado, de estar com fome, de estar desanimado: a demanda está ali, o serviço precisa ser feito, o artista X precisa estar no palco às 14h para passar o som. Mas, peraí, o artista X ainda está no hotel? Por quê? Precisa mandar busca-lo ur-gen-te! Liga pro produtor, negocia a van, avisa para o responsável pelo palco que o cantor não vai subir enquanto os instrumentos não tiverem sido testados. Leva ele para o camarim A porque no B já tem gente. E, ah, não esquece de pedir a comida para o pessoal da técnica. Você pode estar com fome, mas eles, definitivamente, não trabalham de estômago vazio.
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Julieta Venegas na passagem de som. |
Aprendizado 2: Nem todo mundo ama o que está fazendo! Obviamente, em toda a profissão há quem não seja completamente apaixonado pelo que faz. Porém, fica mais difícil de acreditar nesse fator quando tanto trabalho pesado e contínuo está envolvido. A rotina de uma produtora é completamente variável, alterando entre períodos de muito trabalho (geralmente quando um evento se aproxima) e outros de ócio. No entanto, na minha cabeça de quem deseja tanto trabalhar com produção, os eventos seriam o ápice da profissão. É na época deles que mais se trabalha e que mais pessoas ficam estressadas. E também é verdade que, ao final de um evento de sucesso, todos os envolvidos comemoram, agradecem e parabenizam uns aos outros pelo trabalho e fazem uma festa para comemorar. Contudo, ainda que o resultado final tenha sido positivo, alguns pontos no caminho me deixaram um pouco incomodada. Talvez eu tivesse (e acredito que ainda tenha) uma visão ingênua acerca do assunto, mas eu esperava um maior envolvimento dos produtores com o festival. É claro que tiveram muitos completamente envolvidos e que aproveitaram os shows, dançaram e cantaram juntos, conversaram com os artistas mas, claro, sem se eximir de qualquer trabalho. Mas alguns profissionais me deixaram um pouco desanimada. Um promotor X, responsável pelo palco principal do evento, me pareceu muito pouco empolgado em relação às atrações que ele mesmo estava organizando. No terceiro dia de evento, tivemos uma conversa durante uma passagem de som. Estávamos em cima do palco e eu comentei que, na minha visão, o setor que ele produzia deveria ser o mais excitante (além de, claro, trabalhoso). Ele, que até então estava bastante participativo na conversa, me respondeu que isso era bem relativo e que "para o músico que vai tocar deve ser ótimo". Aliado à essa decepção momentânea, minutos depois subiram dois cantores ao palco (os principais, daquela noite e de todo o evento) e quando eu disse ao produtor os seus nomes, ele me disse "Ah, são eles? Não sabia nem a cara deles".
Aprendizado 3: Uma produção, geralmente, é dividida em núcleos e eles são: Produção (por sua vez, dividida em Logística, Portaria, Palcos, Artistas, Bilheteria e Montagem) Comunicação, Técnica, Segurança, Bares, Limpeza e Coleta. Todos esses estão englobados e devem ser geridos pela Produtora Cultural. Cada um, normalmente, tem o seu coordenador, que é a pessoa responsável por resolver qualquer problema relativo à área.
Aprendizado 4: Por uma questão de fluxo de eventos em Belo Horizonte, as produtoras, muitas vezes, lançam mão de freelancers para compor o seu evento. No Conexão BH isso foi bastante comum e grande parte dos coordenadores não eram funcionários regulares da empresa.
Ao final dos quatro meses de projeto, considero que todas as experiências foram bastante válidas, desde ao show que, ainda que minimamente, pudemos acompanhar com a W3 Entretenimento, até a experiência de viver e trabalhar com uma produção durante todo um evento. Acredito que por essas experiências foi possível enxergar bastante o modo como as Produtoras mineiras trabalham. Obviamente, não foi possível sanar todas os questionamentos acerca da profissão, mas, após o convívio com diferentes tipos de produtores no Conexão BH, pude perceber que ainda somos muito amadores quando se trata de Produção. As produções de outros estados e, claro, as internacionais, dão um show em estrutura e organização. Pelo menos, foi o que me afirmaram diversas produtores que, apesar de estarem trabalhando no Conexão BH, já atuaram em eventos maiores, como o show do Paul McCartney no Mineirão. Resta agora sonhar mais alto, traçar mais metas e estar disposta a levar muito artista pra passagem de som para conseguir se aproximar de outras produtoras (e, ah, claro, não esquecer do lanche do pessoal da técnica!).
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Conclusão da Luiza
Ao longo dos últimos meses, pudemos nos dedicar a entender um setor da comunicação que sempre me atraiu. E dessa forma, percebi o quão pouco eu realmente conhecia sobre produção cultural. Cria-se uma espécie de glamour envolvendo as profissões que circundam o ambiente do show business e acabamos ignorando o fato de que, se realmente há esse glamour, passa longe do trabalho pesado intelectual e, por que não dizer, físico concernente à produção de um evento.
Via ali, aquele núcleo de empresas de produção mineiras como as salvadoras, aquelas que traziam a cultura para dentro de Minas Gerais, um mercado que para mim era fechado e com poucas oportunidades. Tal fato alimentava em mim um certo medo quando pensava em me aventurar por essa área profissional. Só provei minha inocência e ignorância.
Para mim, o primeiro mito que caiu foi o endeusamento das duas grandes produtoras mineiras, a Nó de Rosa e a Malab Produções.Um dos motivos foi a dor de cotovelo de passarmos quase três meses em contato com ambas e sermos enroladas até o fim do trabalho, não tendo conseguido acompanhar nada, de nenhuma delas. O segundo e derradeiro motivo foi a descoberta do modelo colaborativo de produção, que me encantou e conquistou.
Belo Horizonte tem um mercado legal sim, e muitos eventos culturais acontecem aqui muitas vezes sem nenhum apoio ou respaldo das nossas “gigantes” produtoras. Organizados em Coletivos, a força motriz que quer agitar a cultura da cidade pincela aqui e ali Duelos de MC’s, pequenos festivais de música independente, shows com bandas do cenário underground da capital.
Me descobri parte dessa parcela da juventude mineira ao ser convidada à integrar o Coletivo Calcariu, logo depois que participei do evento Lagoa Interativa (já narrado por nós, na primeira postagem). Já pedindo desculpas pelo clichê, mas foi como um mundo novo se abrindo ali, na minha frente. E me chamando para entrar.
De lá pra cá, desde a primeira postagem, aprendi e entendi como se dá uma produção assim, com um orçamento apertado, muitos colaboradores e muita disposição para fazer o esquema tomar forma e virar realidade. Entrei de cabeça nessa experiência, tendo auxiliado e também aproveitado tudo de bom que ela pode me trazer. Me encanta a horizontalidade da organização do Coletivo, onde eu, que entrei para o grupo em abril, tenho o mesmo poder de voto e a mesma força de trabalho do que os meninos que fundaram o Calcariu, há três anos atrás.
Desde então, já participamos de duas importantes reuniões na prefeitura de Lagoa Santa, firmamos parcerias muito bacanas e estamos em fase de organização de um festival itinerante que irá movimentar a cidade nos próximos seis meses.
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Coletivo Calcariu (e eu!) em reunião com representantes da Prefeitura de Lagoa Santa |
Também me conquista o fato de que todos aqueles envolvidos ali (pelo menos no Coletivo Calcariu) estão por vontade, porque querem ver a cultura acontecer e, porque não dizer, pelo amor genuíno à arte. À música. À cultura. Não gira dinheiro na mão de nenhum integrante. Tudo o que entra é investido em eventos e realizações do coletivo. Sendo possível a criação de um ciclo vicioso salutar, se posso dizer isso, onde cultura vira dinheiro, que vira cultura novamente. E assim sucessivamente.
E, apesar de ser uma produção suada, é de extrema importância primar pela a qualidade impecável de tudo: estrutura, som, luzes, bandas, segurança, etc. E no final, é muito legal ver que tudo isso dar certo.
Outro aspecto que achei muito interessante é a relação de amizade entre os coletivos da região metropolitana. Existe, não sei se é de conhecimento de todos, o CMC – Circuito Metropolitano de Cultura, que integra todos os artistas da região metropolitana de BH em ações culturais diversas.
Pude entender um pouco melhor também a relação, muitas vezes conflituosa, entre os coletivos e a Casa Fora do Eixo, um grande conjunto de coletivos de produção artística e cultural. Ficou a imagem de que a estrutura Fora do Eixo está fadada ao desgaste e deterioração.
Ainda busco compreender, e acredito que será possível, a lógica das leis de incentivo na realização de grandes eventos, prática recorrente na produção colaborativa. Usaremos esse recurso na realização do Festival Mamute, em outubro.
Por fim, acredito que um dos maiores aprendizados nesses poucos meses de Coletivo e de desenvolvimento desse trabalho foi de que a cultura em BH está em pleno vapor. Temos bandas incríveis surgindo em todos os bairros, em todas as cidades da RM. E ficou aquela pulga atrás de orelha: porque damos mais valor à quem traz atrações de fora, do que aqueles que suam para construir uma plataforma para os próprios artistas mineiros se consolidarem no mercado do estado?
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Acho que uma conclusão geral que fica é a de que, acima de tudo, nos envolvemos muito e nos divertimos durante o desenvolvimento do trabalho. E que ficamos, as duas, cheias de esperanças e com uma vontade grande de perseguir uma carreira na área de produção cultural.